Diante de uma enxurrada de denúncias sobre irregularidades na Rede
Municipal de Saúde, envolvendo um esquema fraudulento de pagamentos de
horas extras a médicos, a diretora clínica do Pronto-Socorro Municipal
“Álvaro Azzuz” resolveu falar. Por telefone na manhã de sexta-feira, a
médica Cláudia Poubel confirmou que as mesmas práticas ilegais
denunciadas pelo Ministério do Trabalho e pela Procuradoria da República
nas unidades da UBS do Aeroporto e do Samu também existem no PS. E foi
mais longe. Disse que este é o sistema adotado pela Prefeitura para o
pagamento de médicos da rede (leia mais na página A4).
Para defender os profissionais, na entrevista de 30 minutos, Cláudia
repete, como um mantra, que o pagamento de horas extras existe porque
faltam médicos, mas não diz qual é o déficit.
Sobre as irregularidades, lava as mãos: “Encaminhamos uma proposta para
a Prefeitura. Sabíamos que isso ia dar problema com o Ministério
Público, mas não tivemos respostas.”
Como responsável pelo corpo clínico do PS, é ela quem determina as
escalas e aciona os profissionais para o trabalho ou plantão. Apesar
disso, disse desconhecer o total de horas extras pagas aos médicos do
PS.
A senhora procurou o jornal para falar das denúncias que envolvem o pagamento de horas extras aos médicos...
Exatamente. É porque queria deixar claro que existe um concurso já
homologado e que nenhum novo médico foi chamado. Os médicos que temos
hoje no pronto-socorro não comportam o número de atendimentos, que é
muito grande. Por conta disso, os profissionais são obrigados a fazer
horas extras. Talvez nem por vontade própria, mas para suprir a
necessidade da população.
Em média, os profissionais do pronto-socorro fazem quantas horas extras por mês?
Esse número não tenho exato, mas as horas extras são feitas tanto pelos médicos como pelos enfermeiros.
Essas horas extras a que a senhora se refere são horas
trabalhadas além da jornada pela qual os médicos são contratados ou
horas extras pagas aos profissionais que atingem a cota estipulada por
decreto?
Para além do que foi contratado.
Então, posso dizer que a senhora garante que todos os médicos do Pronto-Socorro “Álvaro Azzuz” cumprem suas 12 horas de plantão?
Eles têm o plantão de 12 horas, mas eles têm também as horas extras pelo excesso de trabalho.
Não ficou claro. Esse excesso de trabalho é o tempo que ficam
além das 12 horas ou é porque ultrapassaram a cota de atendimento de
pacientes?
O que acontece é o seguinte. Nós temos, sim, um sistema de produção.
Esse sistema é para os atendimentos mais simples, que não são de
urgência e emergência. Na verdade, esses atendimentos nem deveriam ser
feitos no PS. Tinham que ser resolvidos nas UBSs. Como o atendimento das
UBSs não funciona, eles acabam indo para o pronto-socorro. É o
paciente, por exemplo, que tem uma dor de garganta, que está gripado.
Isso é acordado com a Prefeitura. Nada é feito sem consentimento.
Pelas denúncias do Ministério do Trabalho, os médicos que fazem
este atendimento de não urgência, vamos dizer assim, recebem horas
extras depois que atingem uma determinada cota de pacientes...
Existem profissionais que trabalham por produção. Mas tem também os que
cumprem as 12 horas. São dois sistemas de atendimento dentro do
pronto-socorro. Tenho muito medo de falar com vocês porque não quero que
deturpem o que vou falar.
Justamente para que isso não ocorra é que estou insistindo em esclarecer.
Deixa eu tentar explicar. Tem profissional que é contratado por 20
horas semanais. Aí ele vai e faz um plantão de 24 horas. Então, ele já
cumpriu a carga horária pela qual é contratado naquela semana. Se for
acionado novamente, seja para o plantão ou para o atendimento de não
urgências, ele vai receber hora extra.
Agora me explica o atendimento feito por produção.
É um decreto assinado pela Prefeitura. O profissional atende um número X
de pacientes e depois ganha por hora. Mas isso é um decreto que vem
sendo cumprido desde o governo do Sidnei (Rocha, ex-prefeito).
Quem determina tanto as horas extras por produção ou por extensão de jornada?
O profissional cumpriu a jornada dele, e, por exemplo, deu 18 horas e
estou com 150 pacientes na espera. Ligo e vou chamando o pessoal para me
ajudar a suprir a demanda. Tem muita gente que preferia estar com a
família, passeando e se dispõe a ir lá. Se tirar as horas extras do
profissional, o pronto-socorro vai ficar descoberto. Aí que não vai ter
profissional mesmo.
Os auditores do Ministério do Trabalho dizem e comprovaram nos
autos que seria impossível certos profissionais cumprirem o número de
horas extras que foi pago pela Prefeitura. Tem profissional, por
exemplo, que cumpre a cota de pacientes em uma hora e meia, mas, na
verdade, ele recebe o restante da jornada que seria normal como horas
extras porque já atendeu a cota. Esta situação também acontece no
pronto-socorro?
Acontece devido à produtividade. A produtividade ele recebe por hora.
No final do ano passado, foi levada uma proposta para a Secretaria de
Saúde para resolver este problema. Sabemos que isto é um problema e
poderia causar problemas futuros com o Ministério Público, mas até hoje a
gente não obteve resposta (da Secretaria).
Os médicos, então, apresentaram uma alternativa à Prefeitura e não tiveram resposta?
Isto. A gente sempre cobra uma posição porque sabemos que, para o
Ministério, isto não é o correto. Ninguém está burlando ou roubando
alguma coisa. Nós estamos trabalhando. Sabemos que a forma como foi
estipulado poderia causar algum problema, por isso sentamos com um
advogado, fizemos uma proposta, encaminhamos isto para a Prefeitura no
final do ano passado e não veio resposta até agora.
A senhora se lembra a data em que isto foi encaminhado para a Prefeitura? E o que dizia esta proposta?
Foi mais ou menos em novembro. Não tenho uma data certa. Estamos
tentando resolver este problema há algum tempo. A gente sabe que isto
pode trazer prejuízo para os médicos. Ninguém está agindo de má-fé. Está
todo mundo trabalhando, tentando atender a população, mas sabemos que
esta forma que a Prefeitura usa para fazer o pagamento dos médicos pode
causar algum problema.
Na opinião da senhora, não seria mais justo oferecer um salário
base maior para os profissionais do que ter este esquema de horas
extras para turbinar os salários?
O nosso salário é bem abaixo. Mas não adianta só aumentar o salário e
não aumentar a oferta de médicos. O maior problema é que são muitos
pacientes para poucos profissionais. O médico tem que se desdobrar em
muitos para poder atender a população. Acredito que o erro todo é que a
procura pelo pronto-socorro é muito grande. A maior parte dos
atendimentos poderia ser resolvida nas UBS, mas isso não acontece. As
pessoas preferem ir ao PS, talvez seja um problema educativo.
Há reclamações em relação ao atendimento no pronto-socorro,
inclusive, com boletins de ocorrência registrados na polícia. A que a
senhora atribui tantas queixas?
O profissional fica com uma sobrecarga e isto vai desgastando. Ele está
trabalhando muito mais do que deveria trabalhar e isto acaba
prejudicando. Mas descaso acho uma palavra meio pesada.
Não há descaso no PS?
A gente tenta prestar o melhor serviço. Em termos de demora, os prontos
socorros particulares na região têm um tempo de espera muito maior que o
nosso.
Recentemente, noticiamos quatro casos de pacientes que morreram
após passarem pelo PS. As famílias acusam os médicos de negligência.
Elas estão erradas?
Não posso entrar em detalhes. Mas no caso da Luara Prieto, que faleceu
em janeiro, o processo já foi encaminhado para o Conselho de Ética e já
está no Conselho Regional de Medicina. O que posso dizer é que o
atendimento dela dentro do Pronto-Socorro foi muito bem feito. Acredito
que no PS não teve problema nenhum quanto a este caso.
No caso da morte da dona de casa Francisca Firmina, uma
testemunha afirma que o médico a atendeu de forma rápida pedindo que o
próximo paciente entrasse com elas ainda dentro do consultório. O que a
senhora diz a respeito?
Não posso falar muito a respeito destas coisas porque é particular.
Este também já foi enviado ao Conselho de Ética e ao Conselho Regional
de Medicina. O que posso falar é a respeito da grande demanda. Isto gera
um desconforto para todo mundo. Os problemas que são mais graves e
deveriam ser verificados com mais calma estão sendo deixados em segundo
plano por conta da grande demanda do pronto-socorro.
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