Durante 27 anos, Nelson Mandela esteve preso por lutar contra o regime do apartheid na África do Sul. Militante político, líder carismático, Prêmio Nobel da Paz e primeiro presidente de seu país eleito democraticamente, Mandela jamais deixou de combater por uma África do Sul mais justa e fraterna, e sempre conservou, quaisquer que fossem os desafios enfrentados, uma dignidade que se tornou lendária
Henry Mgadla Mandela e sua terceira esposa, Noseki Fanny, são contra a adoção e parecem satisfeitos com seu filho único. Nelson Mandela nasceu em 18 de julho de 1918, em uma pequena cidade de Transkei, a algumas dezenas de quilômetros da capital provincial de Umtata. Henry Mgadla escolheu o nome do venerado herói inglês de Trafalgar, almirante Nelson, ao qual ele acrescentou um prenome tradicional xhosa, Rolihlahla (cujo significado etimológico é “aquele para o qual os problemas se apresentam”). O patriarca não economizava nos paradoxos. Proveniente de um ramo da casa real Thembu, ele se revelava “altivo e revoltado, dotado de um senso inato de justiça”.
Apesar das origens aristocráticas de Henry, a administração britânica não mostrou nenhum escrúpulo em privá-lo de sua fortuna e de seu título de conselheiro do rei. Mas o clã Mandela enfrentou a situação. Na tenda da família, em Qunu, para onde seus pais se retiraram, Nelson viveu dias aprazíveis. Mais tarde ele dirá: “Passei lá os anos mais felizes de minha vida”. A despreocupação, porém, não dura para sempre, algo que logo aprendeu.
Em uma noite de 1927, subitamente, seu pai faleceu. A vida da criança sofreu uma reviravolta. Imediatamente, o regente do reino thembu, Jongintaba Dalindyebo, acolheu o infeliz primo na residência real de Mqhekezwen, e tornou-se seu tutor. Ao se despedir, a senhora Mandela aconselhou-o: “Seja corajoso, meu filho”. Ela não poderia ter dito algo melhor. Junto ao seu tutor, Nelson recebeu a educação elementar. O estudo do xhosa ensinou-lhe sua cultura de origem; a descoberta do inglês abriu-lhe o caminho para o pensamento desses brancos, que os negros servem sem que o queiram, e imitam sem que o saibam. Os devaneios permitidos pela história e pela geografia compensaram as dificuldades e os constrangimentos impostos pelo aprendizado das línguas.
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Símbolo da resistência negra, Mandela foi preso em 1962, acusado de conspiração contra o sistema político imposto pela minoria branca. Foi solto em 1990 |
Do colégio metodista de Clarkebury, em que obteve seu diploma, o adolescente passou para o liceu de Fort Beaufort, que lhe abriu as portas da “Cambridge negra”, a universidade de Fort Hare. Na universidade, Mandela entrou em contato com membros do Congresso Nacional Africano, CNA, e se revoltou, pela primeira vez, contra a autoridade instituída. O retorno a Mqhekezwen não se desenvolveu nas condições esperadas. Seguindo a mais pura tradição dos casamentos arranjados, o regente comunicou a Justice e Nelson que tudo já estava combinado para eles. Mas eles não concordaram e fugiram. “Nesta época, (...) eu não cogitava ainda lutar contra o sistema dos brancos, mas já estava disposto a me revoltar contra o sistema social de meu próprio povo”, explica Mandela. Com o tempo esta posição seria revista. Nelson encontrou asilo em Johannesburgo. Batendo de porta em porta, acabou por chegar à casa certa, a de Walter Sisulu, que dirigia uma agência imobiliária na qual o fugitivo trabalhou por um tempo. Em seguida, Sisulu encaminhou Mandela a um escritório de advocacia, como estagiário, e estimulou-o, paralelamente, a reivindicar seus direitos.
A partir de 1944, sob influência de Sisulu, Mandela se juntou às fileiras do CNA, cuja inércia ele reprovava cada vez mais. A fraqueza do CNA irritava-o a ponto de fazê-lo alinhar-se com seu mentor, mas também com Oliver Tambo e Govan Mbeki (pai do atual presidente da República da África do Sul), para fundar a Liga dos Jovens do CNA, na qual, pouco a pouco, ascenderá a todas as posições. A “geração dos rebeldes” entrou resolutamente no combate pela emancipação e dignidade dos povos. “Eu sou incapaz de indicar exatamente o momento em que soube que consagraria minha vida à luta pela liberdade. Ser africano na África do Sul significa ser politizado desde o nascimento, quer se tenha consciência disto ou não. A vida [de uma criança africana] está circunscrita pelas leis e regras racistas que mutilam o seu desenvolvimento e oprimem a sua vida”, comenta o rebelde Nelson.
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Mulheres protestam em Cato Manor, na África do Sul, contra as medidas racistas impostas pela minoria branca. (24/6/1959). |
Os eventos o estimularam a agir. Em 21 de março de 1960, em um distrito negro de Transvaal, a polícia abriu fogo contra uma multidão de manifestantes: 69 mortos e 180 feridos. Com o massacre de Sharpeville, evidenciou-se que o protesto pacífico era ineficaz. Assim, Mandela dota o CNA de um braço armado, o Umkhonto we Sizwe (Exército para a Nação), cujo comando assumiu. A fazenda de Liliesleaf, em Rivonia, ao norte de Johannesburgo, tornou-se, então, seu quartel general. Mandela se escondeu no local para estudar, planejar e supervisionar operações de sabotagem. Mais tarde, deixa a fazenda para buscar apoios políticos na África (Argélia, Camarões, Quênia) ou na Grã-Bretanha. Incansável, Mandela torna-se mestre na arte de escapar de ciladas. Data desta época o epíteto de “Pimpinela negro”, em referência ao herói de Walter Scott, o Pimpinela escarlate.
Informado por uma denúncia que alguns imputam à CIA, a central de inteligência americana, o ministro da Justiça, Balthazar Vorster, tomou conhecimento dos atos. Em 5 de agosto de 1962, após 17 meses de implacável perseguição, Mandela foi preso ao norte de Durban, e condenado a cinco anos de prisão por atividades subversivas. Em 11 de junho do ano seguinte, a polícia alcançou a fazenda de Rivonia e capturou o Estado Maior do MK, o braço armado do CNA. A organização militar foi desmantelada. Sem demora, o governo enviou Mandela e os demais acusados para o tribunal de Rivonia. Durante o processo – ao qual comparecem, principalmente, Govan Mbeki, Walter Sisulu e Raymond Mhlaba – Mandela assumiu a defesa comum. Suas palavras tinham tom de manifesto: “Eu cultivei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todos poderiam viver em harmonia e com chances iguais. Ainda espero desfrutar deste ideal. Se for necessário, morro por ele”. A hostilidade do júri, entretanto, não foi abalada. Em 16 de junho de 1964, a corte declarou o seu veredicto: prisão perpétua para os membros influentes do CNA.
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Mandela posa para foto durante a primeira eleição multirracial da África do Sul, ocorrida em abril de 1994, que o elege presidente do país |
No cárcere, um prisioneiro admirado
Uma cela estava reservada para Nelson Mandela. O fundo voltado para o mar, caso ele pensasse em fugir. Mas seria impossível. Entre trabalhos forçados e visitas ocasionais, Nelson mantinha uma confiança resignada que não excluía a dúvida. Entre os abatimentos passageiros motivados pela “vida lá fora” (dissolução do CNA, silêncio da comunidade internacional durante os anos 60), ocorreram algumas satisfações localizadas (revolta de Soweto e de outros bairros negros). Mas Mandela jamais ficou alheio aos eventos: a vida carcerária era para ele uma “versão reduzida da luta no mundo”. Na espiral dos dias sempre recomeçados, ele se tornou amigo de um guarda um pouco atípico para o local e a função, James Gregory. Mandela comoveu-se com a respeitosa humanidade do carcereiro, e este ficou perturbado com a inalterável dignidade do cativo. Com o tempo, se livraram de seus respectivos preconceitos e passaram a manteruma relação fraternal. Gregory dará do episódio um vibrante testemunho em seu livro Mandela, meu prisioneiro, meu amigo.
Em 1982, os acusados de Rivonia foram transferidos para a prisão de Pollsmoor, perto da Cidade do Cabo, onde se beneficiaram de um regime penitenciário mais favorável. Mandela pressentiu as manobras conduzidas pelo Estado e, de fato, não estava enganado. Desde meados dos anos 80, o governo de Pieter Willem Botha abria uma porta para as negociações, e Frederik De Klerk, assim que foi eleito presidente da República, anunciou, em 2 de fevereiro de 1990, a libertação do mais antigo prisioneiro político do mundo. A libertação foi efetuada em 11 de fevereiro, 27 anos após a prisão. Sobre este fato, Breytenbach, escritor sul-africano afirmou: Ele (...) entrou na prisão como militante e saiu dela como um mito. Um mito cujo primeiro gesto foi levantar o punho, sinalizando um gesto de vitória. De fato, a liberalização do regime seguia um bom caminho. De Klerk suspendeu a interdição imposta ao CNA e retomou o diálogo com o movimento, cuja liderança passou a Mandela em julho de 1991. Seus esforços para a abolição das leis de segregação foram reconhecidos por Estocolmo que, em 1993, concedeu a ambos o Prêmio Nobel da Paz. Em abril de 1994, as primeiras eleições multirraciais na África do Sul submeteram o CNA a um plebiscito (no qual obteve 62,65% dos votos) e, em 10 de maio, Nelson Mandela foi oficialmente escolhido presidente da República. A ruína integral do apartheid legal e o anseio de elaborar as bases de uma “nação livre” continuaram orientando as opções de Mandela. No momento de passar o cargo a Thabo Mbeki (1999), ele ousou afirmar: Ainda não somos livres. (Tradução de Alexandre Massella)
18/7/1918
Nelson Mandela nasce em uma cidade de Transkei.
1944
Torna-se membro do CNA e, em 1952, vice-presidente da organização.
1964
Condenado à prisão perpétua por atividades subversivas.
1990
Libertado em 11 de fevereiro, por decisão do presidente Frederik De Klerk.
1993
Recebe, junto com Frederik De Klerk, o prêmio Nobel da Paz.
1994
Nelson Mandela é eleito presidente da República.
Nelson Mandela nasce em uma cidade de Transkei.
1944
Torna-se membro do CNA e, em 1952, vice-presidente da organização.
1964
Condenado à prisão perpétua por atividades subversivas.
1990
Libertado em 11 de fevereiro, por decisão do presidente Frederik De Klerk.
1993
Recebe, junto com Frederik De Klerk, o prêmio Nobel da Paz.
1994
Nelson Mandela é eleito presidente da República.
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O segregacionismo impedia a utilização de espaços públicos comuns a negros e brancos |
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Winnie Mandela: casou-se sem a aprovação do pai |
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A primeira visita ao túmulo da mãe, em Qunu, na África do Sul (mai/1990) |
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Frederik De Klerk e Mandela receberam o Nobel da Paz pela luta contra o apartheid |
no ano seguinte. O apartheid foi abolido em 1991. Em 1993, os dois homens receberam o Prêmio Nobel da Paz. Eles conduziram as negociações que levaram, em 1994, às primeiras eleições livres da África do Sul.
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Encerramento da 14ª Conferência sobre a Aids, em Barcelona (7/2002) |
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